quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Disque-Noção


Se tivesse que abrir um negócio em Salvador, seria um Disque-Noção.
Isso, obviamente, considerando a demanda gigantesca que há na cidade.
Daniela chama essa terra de antropofágica. Eu chamo de "onifágica" porque, as pessoas querem tudo o tempo todo, todos os dias e não se incomodam em invadir o espaço alheio.
Para exemplificar: Eu sou um fumante. Não que eu me orgulhe disso, mas sou. E eu sinto que sustentar o vício alheio se tornou tão corriqueiro que eu já devo ter gasto o equivalente à minha cirurgia no pulmão com cigarros distribuídos aos pedintes. Será que as pessoas, realmente, não conseguem resistir ao apelo carnal em nome do bom senso e da educação doméstica básica?
Evidência deste fenômeno social em Salvador é o específico e incisivo uso da linguagem para mendigar.
É sempre "Me dê ... aí!"; nunca um "Poderia..." ou "Será que...".
"Me dê um cigarro aí!", e eu criando imagens torpes e violentas na minha mente insandecida.
Numa visão mais ampla e mais saudável, existem os incompreensíveis vizinhos e sua invasiva abordagem ao solicitar qualquer... qualquer coisa mesmo.
"Tem café aí?"
Eu, mentalmente drenando o sangue do miserável pelo rim, penso: Ela tem pacotes extras de café para me oferecer ou está preocupada com a condição da minha dispensa? Nenhuma das opções. O fato é que a suposta intimidade é tão grande que na mera existência do objeto desejado está subentendida a minha disposição em ceder e/ou doá-lo.
Nesse ritmo, lá se vão todos os itens da minha pobre dispensa, meus objetos de desejo, vícios, objetos pessoais, pedaços do meu pastel já minúsculo que sempre volta com perdigotos e rastros de saliva, goles de cerveja, bônus de celular, o último biscoito do pacote, gás do isqueiro ( Ah, isso custa dinheiro também) e qualquer outra coisa que os interesse.
A falta de noção do povo desta cidade é algo que o Pentágono, a NASA, a Petrobrás, os Volturi e a Ordem da Fênix deveriam estudar.
Gaste dinheiro com um lindo e confortável sofá em Salvador e perceba o quanto ele será desprezado em "favorecimento" à sua limpa e milimétricamente arrumada cama.
Entre no ônibus lotado, cansado, com vontade de conjurar um Avada e relaxe ao som das letras ginecológicas de um pagode vindo de um celular ao lado.
Entre numa loja com seu 13.º e receba o caloroso e educado olhar das vendedoras bem dispostas e sorridentes.
Compre um eletrodoméstico e receba-o em sua casa por simpáticos e cuidadosos entregadores.
Peça informação aos adoráveis cobradores de ônibus.
Viver em Salvador é ouvir as palavras "cú", "buceta" e "pica" com a mesma frequência em que se ouve "Oi".
E não se assuste com a exagerada gentileza dos recém conhecidos. Ao aceitá-la, estará estabelecido um contrato vitalício de doação dos itens citados acima.
Está claro o motivo da frieza dos americanos e europeus. Eles tem medo dos brasileiros!
Mas, se você sofre com algum desses problemas, em breve um delivery de noção em Salvador. Peça 1kg.

Um comentário:

Vânia disse...

Que degeneração...rsrsrs. Tipicamente algo vindo honesta e pura-mente (com hífen mesmo) de Alex, um dos alguéns mais sagazes e adoráveis com quem tenho o prazer de conviver. A propósito, tem cigarro aí?