sexta-feira, 11 de março de 2011

Presente pra você


O passado é sempre superestimado. Nas artes plásticas, temos as antiguidades; no cinema, temos os clássicos; na música, temos os famigerados "retrô", revivals e as homenagens que resgatam a boa música de décadas passadas.

Na vida, não muito diferentemente, temos os "bons tempos que não voltam jamais".

Afinal, temos ou não o hábito de fantasiar sobre um passado em que as sensações e acontecimentos eram sempre fabulosos? E, se sim, estamos deixando de construir um futuro brilhante na busca incansável de reproduzir o passado?

Acredito que quando praticamos uma lembrança, remasterizamos uma experiência, analisamos de forma diferente o que era presente, percebemos que sentimos saudade do que foi vivido, apesar de que à epoca, parecia-nos banalidade. Pode-se lembrar com saudade até de uma surra, se você for capaz de remontar os sentidos de tal momento, o contexto e o motivo.

Mas, nada agrega mais valor ao passado do que a sua intangibilidade. O que é inalcançável é irresistível e, automaticamente, considerado valioso. Como os prótons e íons, ou como qualquer raridade. O que eu não posso ter, é o que passo a desejar ainda e cada vez mais. Penso que é esse movimento que aplicamos ao nosso passado.

Ainda obcecados pela intangibilidade, transitamos entre o saudosismo e o futurismo profético. Esquecemos que ao invés de uma dupla escorregadia e imprevisível, há, na verdade, uma tríade que concentra sua realidade no meio, neste momento. Há o passado, o presente e futuro. Temos presente e, possívelmente, teremos um futuro. Temos o passado? Ou temos apenas passado?

Temos passado pelo presente desapercebidos do risco que se corre de dizer no futuro: "Eu era feliz e não sabia." Mas, talvez, estamos desconsiderando que o presente influencia o futuro, enquanto que o passado continua em seu pedestal abstrato. O passado de nossas vidas pode e deve ser visto e contemplado, mas, não devemos nos perder em uma contemplação imobilizadora.

O passado é imutável, o presente e o futuro são insólitos. Essa segurança é fascinante e desperta uma ânsia antropológica por avaliar detalhadamente os comportamentos e vermos quem costumávamos ser e com quem costumávamos ser; onde estávamos e onde estamos.

Sem dúvida, o passado tem seu valor. Mas, ele é como uma deusa indiana excêntrica e possessiva que enlaça e envolve-nos, se permitirmos, imobilizando seu súdito, em seu próprio desejo de reviver ou de fazer continuar o que já está passado. O que está no passado.

Minha mãe sempre diz que quem vive de passado é museu. Clichê dos bons. Mas, sabe que faz sentido? Os museus, pelo menos, tem algum lucro vindo do passado. As crianças tem medo dos museus; acho que é porque elas não tem ainda um passado e, para elas, apenas importa viver o presente; divertir-se. O passado tem para uma criança um componente de uso imediato, ou seja, uma criança não pisa num espinho duas vezes. Uma criança não perde a diversão, porém.

Eu também tenho tido medo do passado, e não terei lucro dele, além da aplicação imediata para não pisar nos espinhos novamente. Vou ser feliz, sabendo.

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